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Viticultura Portuguesa Encara Futuro com Otimismo

viticultura-portugalA ligação da vinha e do vinho com a Humanidade vem desde o início dos tempos. A antiguidade da viticultura deve- se às características naturais da uva: é um fruto sumarento, cheio de açúcares e o único com uma tendência natural para a fermentação.

Portugal sempre teve uma ligação muito próxima à viticultura, ligação que começou, crê-se, quando em cerca de 2.000 anos a.C. os Tartessos cultivaram a vinha pela primeira vez, no vale do Tejo e Sado. Entretanto, as influências e contributos da presença dos Fenícios (século X a.C., Gregos (VII a.C., Celtas (século VI a.C.) e Romanos (15 a.C.) contribuíram para influenciar e aprimorar as técnicas vitícolas ao longo dos tempos.

A viticultura portuguesa é hoje das melhores e mais cobiçadas do mundo, a forte ligação cultural e histórica do país a esta atividade contribuiu decisivamente para se alcançar esta posição. Porém, esta não foi a única razão: desde há poucas décadas para cá, os técnicos de viticultura portugueses têm atingido um elevado nível de excelência e competitividade, a crescente valorização das regiões demarcadas e de enorme potencial como o Douro, Alentejo, Dão, etc. e o facto de se trabalhar com castas portuguesas contribuíram decisivamente para este sucesso.

Mas a viticultura enfrentará novos desafios e oportunidades, tais como as alterações climáticas e a mudança de paradigma, como a inovação tecnológica aplicada à agricultura, que permitirá a racionalização de custos e a redução do desperdício.

No que concerne a uma das maiores ameaças, as alterações climáticas, elas são já alvo de interesse e estudo, não só a nível mundial como nacional (ver artigo A Viticultura Portuguesa face às Alterações Climáticas - AGROTEC 11). Para o Diretor de Mestrado em Viticultura e Enologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Jorge Bernardo Queiroz, “as alterações climáticas, a verificarem-se, terão consequências diferentes nas diferentes regiões vitivinícolas”. Manuel Botelho Moreira, Investigador no Instituto Superior de Agronomia, salienta que, para já, “as opiniões sobre cenários futuros são ainda bastante diversas”. Em todo o caso, e atendendo aos cenários previstos nos estudos mais divulgados, “teremos genericamente um aumento das temperaturas médias e uma significativa redução da precipitação, estando também previsto o aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos, como vagas de calor e secas prolongadas.

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A viticultura em Portugal enfrentará um futuro com menos recursos, especialmente no que se refere à agua, pela redução e concentração da precipitação, e à fertilidade dos solos, cuja redução está ligada ao aumento dos períodos quentes e secos, o que contribui decisivamente para a degradação da matéria orgânica dos solos e, consequentemente, da sua fertilidade. Este é um problema com que as regiões mediterrânicas já se debatem atualmente mas que será potenciado no futuro”. Jorge Monteiro corrobora estas afirmações, atentando para o facto de essas regiões estarem “já hoje mais sujeitas a situações de stresse hídrico, o que no mínimo levará a uma utilização sistemática da rega o que, num contexto em que a água é cada vez mais um bem escasso, traduzir-se-á prontamente num processo de aumento de custos unitários.”

Desta forma, a viticultura portuguesa enfrentará importantes desafios, porém, não será impossível: “Há que tomar precauções e preparar-nos atempadamente, nomeadamente investigando as medidas a tomar, tanto ao nível da plantação, como dos sistemas de condução da vinha, para fazer face a estes cenários”, adianta Manuel Botelho Moreira, afirmando ainda que “a instalação de sistemas de rega numa maior percentagem de vinhas, a seleção de castas e porta-enxertos a plantar em cada terroir, a manutenção do solo, bem como as técnicas de condução da videira, terão de ser alvo de maiores cuidados”.

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Antonio Ventura afirma que “com a tendência para o aquecimento, obviamente as regiões mais interiores serão aquelas que irão ser mais afetadas por este fenómeno”, afirmando, no entanto, que “a vinha é uma das culturas com maior resistência e capacidade de adapta adaptação a condições adversas, por vezes extremas”.

Jorge Monteiro afiança que estas alterações no clima poderão mesmo levar “a uma mudança mais ou menos profunda das atuais castas predominantes, substituindo-as pelas que melhor se adequem às alterações climáticas em causa.” Sobre esta mudança, Jorge Bernardo Queiroz afirma que “Portugal tem como medida de mitigação deste problema a enorme diversidade genética de castas, que permitirá a adaptação às novas condições”, dando como exemplo a Região do Douro, onde “existe uma grande diversidade de castas que permitirão essa mesma adaptação.” Atenta ainda para a necessidade de, naquela região, “ser necessário ter em conta as diferentes exposições da encosta e jogar com as diferentes altitudes”, deixando uma visão otimista para o futuro do Douro, lembrando que “os climas quentes são adaptados à produção de vinhos licorosos, facto que os viticultores do Douro sabem há mais de trezentos anos…”. Manuel Botelho Moreira vê nas castas nacionais uma potencial oportunidade:

“Portugal tem ainda uma ferramenta fundamental para enfrentar estas alterações, que é a nossa diversidade de castas, a maior parte das quais desconhecidas da maioria dos viticultores. É premente estudar o seu comportamento e perspetivá-lo sob tais condições, pois haverá, garantidamente, algumas que se conseguirão adaptar e produzir vinhos de qualidade, que nos permitam continuar a competir no mercado mundial de vinhos”. Jorge Monteiro finaliza afirmando que o aumento do aquecimento por via das alterações climáticas “conduzirá a uma viticultura cada vez mais profissionalizada e menos de subsistência”.

VITICULTURA DE PRECISÃO

Manuel Botelho Moreira define a agricultura de precisão aplicada à viticultura (viticultura de precisão), como uma “ferramenta que permite o mapeamento da variabilidade espacial de terroirs, existente em qualquer parcela de vinha, com dois objetivos principais: segmentação da vindima, separando os lotes de uvas de diferentes níveis de qualidade e vindimando cada lote no momento ótimo, e a otimização da gestão dos fatores de produção, nomeadamente no que toca à rega, fertilizantes, fitofármacos e mão-de-obra, reduzindo o impacto ambiental da atividade e aumentando a rentabilidade do viticultor.

Richard Lewis of Chapel Down wineryEsta ferramenta tem, na sua base, a procura de eficiência tanto no uso dos fatores de produção como na rentabilização do produto obtido.” Jorge Bernardo Queiroz acredita que «será extremamente importante quer na gestão dos inputs - fertilizações em função das manchas de fertilidade, aplicação de fungicidas, etc – quer nos outputs - na qualidade dos vinhos que, principalmente no caso da vindima mecânica, poderá permitir uma vindima diferenciada “cepa a cepa”». António Ventura afirma que a viticultura de precisão tem hoje “soluções e tecnologias de incalculável valor à sua disposição, nomeadamente a microzonagem com estudo incisivo das parcelas e dos terroirs, e comportamento das plantas a partir de imagens aéreas multiespectrais, que são instrumentos de trabalho fantásticos para os técnicos da fileira.” Apesar de reconhecer que a viticultura de precisão tem dado alguns passos no nosso país, Manuel Moreira adianta que esta ainda tem uma expressão muito pequena.

Alerta, porém, que “perante as pressões comerciais que os viticultores sofrem, sendo obrigados a reduzir custos e aumentar os proveitos e os cenários de alterações climáticas, com a limitação de alguns recursos essenciais à produção, a viticultura de precisão tem um vasto campo de trabalho em que será fundamental”.

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VITICULTURA PORTUGUESA: QUE FUTURO?

De acordo com as personalidades de referência do setor, este será risonho. Para António Ventura, desde a entrada de Portugal na Comunidade Europeia e a avalanche de fundos comunitários disponibilizados para a agricultura e nomeadamente no setor vitivinícola, a cultura da vinha tem vindo a vivenciar um período áureo, assistindo a uma dinamização e avanços tecnológicos sem precedentes. Segundo o atual presidente da APE, Portugal é atualmente “um dos países que detém maior conhecimento nesta área, com investigação de ponta em várias vertentes, ao nível do que melhor se faz nos países mais avançados, com quadros técnicos bem formados e competentes”.

Jorge Queiroz afirma que “depois do grande salto qualitativo dado pela enologia e o seu reflexo na qualidade dos vinhos portugueses, a viticultura seguirá o mesmo caminho”, lamentando o facto de, no contexto atual de crise, a «viticultura ter sido o “parente pobre”, onde mais facilmente se cortou quando os recursos financeiros se tornaram escassos».

Para o presidente da ViniPortugal, o setor da viticultura está no bom caminho, revelando um grande estado de maturidade, com elevada consistência qualitativa dos seus vinhos e assente numa diversidade de solos, climas e castas autóctones, apontando para que “o ritmo de crescimento das exportações se mantenha, alcançando-se lá fora o que se tem perdido no mercado doméstico”. Por outro lado, Jorge Monteiro também atenta para a necessidade de se explorarem dois aspetos para dar resposta ao que considera serem duas debilidades internas: “a falta de dimensão (das empresas, das vinhas e das marcas), e uma maior profissionalização, sobretudo no plano do marketing e das vendas. O primeiro, que não deixa de estar interligado com o segundo, exigirá estímulos a uma concentração da oferta ou exercícios de cooperação entre empresas. O segundo irá exigir um investimento na formação dos quadros ou proprietários, de forma a capacitá-los no domínio das técnicas de comunicação, argumentação e negociação.

Se acreditamos que os nossos vinhos são tão bons como os outros, temos que colocar esse argumento na mesa de negociações, antes de recorrermos ao preço como forma de assegurar a venda”. António Ventura concorda, afirmando que “a área da vinha nova e reestruturada, com castas e clones criteriosamente selecionados, é hoje muito importante, e será um trunfo no nosso futuro enquanto país vitivinícola, fazendo-nos acreditar que, apesar de não podermos ambicionar ser um grande país produtor, já que a nossa dimensão não o permite, poderemos ser um país de vinhos diferentes, com castas autóctones diferenciadoras”, e capazes de «combater com êxito a “massificação” dos Chardonnay e dos Cabernet, que proliferam um pouco por todo o mundo e dos quais muitos consumidores começam a estar cansados».

O presidente da APE acredita que é aqui que Portugal se poderá destacar: “o nosso êxito no futuro poderá estar na diferença dos vinhos que as nossas castas nacionais, valioso património genético, são capazes de produzir.” A viticultura portuguesa, apesar do constrangimento a nível de dimensão, tem características ímpares, recursos humanos qualificados, conhecimento histórico e um património cultural no setor que lhe permite enfrentar o futuro sem medo e com a confiança de quem tem a perfeita noção de ter do seu lado a qualidade e o conhecimento.

Por: João Duarte Barbosa (in AGROTEC 11)